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Rio 2016: jogos olímpicos, favelas e justiça territorial urbana

Os impactos sociais e urbanos de megaeventos esportivos se transformaram em um tema dos mais relevantes da atualidade. Diversas cidades foram palco desses eventos e, como sabemos, provocaram mudanças significativas em sua fisionomia material assim como em suas dimensões simbólicas.


A proposta do Rio de Janeiro seguiu fielmente o roteiro estabelecido para as candidaturas olímpicas, estavam presentes as promessas de empreendimentos urbanos, com destaque especial para a inclusão da habitação social, do transporte público, da sustentabilidade ambiental e da segurança dos cidadãos na agenda urbana dos Jogos Olímpicos.


Não é sem surpresa que se verifica mo âmbito das promessas - e das preocupações mais evidenciadas em relação aos “problemas urbanos” - a recorrente associação das questões mais graves da Cidade às favelas, especialmente no que diz respeito às exigências de da segurança para realização do evento olímpico. É como se a face negativa do Rio de Janeiro estivesse vinculada a notória presença das moradas populares e, sobretudo, fosse produzida por estas. Estamos diante de reiteração de representações sócio-espaciais hegemônicas que traduzem as favelas como expressões banais da pobreza, da desordem e da violência.


Representações que se tornaram historicamente instrumentos recorrentes de discriminação política e da reprodução de estigmas socioculturais das moradas populares na cidade do Rio de Janeiro. E, ao longo de mais um século contado de existência das favelas na cidade, buscam legitimar tratamentos autoritários em relação à presença dos pobres da cidade, incluindo em seu cortejo a prática da remoção de suas moradas para periferias urbanas.


As favelas são expressões estruturais do processo urbanização do território brasileiro. É importante sublinhar que não se limitam a um fenômeno que se faz presente nas metrópoles. As cidades médias brasileiras são, na atualidade, representativas da multiplicação urbana de favelas e, inclusive, abrigam um crescimento mais expressivo do que o observado em capitais, sobretudo as da região sudeste do país.


Podemos afirmar que as favelas cresceram e se expandiram notadamente em virtude de um modo de urbanização desigual e socialmente discricionário. Ao enunciar as suas especificidades, as favelas também revelam a sua inserção na vida da sociedade urbana como um todo. Podemos afirmar, inclusive, que as favelas representam a maximização das possibilidades econômicas, culturais e sociais realizada pelos pobres nos seus mais legítimos esforços para habitar a cidade.


Entretanto, são justamente esses territórios os mais vulneráveis diante das limitações e incompletudes das políticas sociais governamentais, da notória concentração de renda e propriedade urbanas, dos interesses exclusivistas do mercado e da criminalidade violenta.

Fonte: Imagens do Povo / Observatório de Favelas.


É evidente que as favelas precisavam estar na pauta das políticas urbanas de preparação da cidade dos Jogos Olímpicos e, sobretudo, após o evento de 2016. Entretanto, advogamos a inclusão absolutamente diferente em termos conceituais, simbólicos e práticos das que são notoriamente postas em evidência. Trata-se de colocar no horizonte não mais a resolução de “problemas urbanos”, mas a superação desigualdades sociais e distinções territoriais de direitos urbanos. E, para tanto, novos protagonistas sociais e outros territórios devem estar presentes e evidenciados na formulação e na condução de políticas de transformação da cidade.


Longe de representarem territórios caóticos, sem lei e sem controle que ameaçam a cidade – como afirmam os discursos mais conservadores - as favelas constituem experiências valiosas para repensar e refazer a cidade como um todo. A inclusão das favelas no cenário de mudanças efetivas do Rio Olímpico não deveria ser em função das representações negativas que se fazem delas ou por um “estado absoluto de precariedade urbana”, mas por significarem umas das experiências mais dignas e legítimas de luta de direitos à Cidade.


Referências


ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruindo uma História Esquecida – origem e expansão inicial das favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Espaço & Debates, nº37, 1994.


LEEDS, Anthony & LEEDS, Elizabeth. A sociologia do Brasil urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.


OBSERVATÓRIO DAS FAVELAS. Favela do Morro Dona Marta – Rio de Janeiro, RJFoto: Francisco César - Imagens do Povo / Observatório de Favelas.


SOUZA E SILVA, Jaílson de, e BARBOSA, Jorge Luiz (org). O que é a favela, afinal? Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009



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