Belém e o tecnomelody: o gênero musical que surgiu com a metropolização
Festa de aparelhagem em Belém. Fonte: https://thump.vice.com/pt_br/article/subi-numa-aparelhagem-para-entender-a-musica-eletronica-de-belem
Os arranjos criados por programas de computador e a guitarra acelerada do brega tradicional deram origem a um gênero musical único, patrimônio imaterial artístico e cultural do Pará: o tecnomelody. As aparelhagens modernas e as grandes festas servem de difusão das músicas, que estimula a reprodução de discos em um sistema paralelo – e subversivo – ao tradicional mercado fonográfico brasileiro. A análise que podemos fazer desse estilo musical, ligado à pirataria (vinculado ao setor informal e ao não cumprimento de direitos autorais), é fundamentalmente geográfica: como o tecnomelody surgiu através da prática urbana da pirataria que, por sua vez, resulta da metropolização de Belém.
O geógrafo Fábio Tozi (2010) descreve no artigo “Meio técnico, tecnologia e tecnobrega: a cidade e a pirataria como possibilidades” como o tecnomelody (ou tecnobrega) surgiu no Pará em um contexto de maior acesso às tecnologias de informação necessárias para programar os arranjos e do aumento do consumo pelas camadas mais populares, inspirado pelos desejos e modismos da população, que são resultantes da difusão de símbolos e valores alimentados pela propaganda. O cenário da metrópole belenense é propício para a pirataria, que realiza uma relação desigual entre psicoesfera (ampla no território nacional) e tecnoesfera (mais restrita) (SANTOS, 1997 apud TOZI, 2010), que “acaba beneficiando o próprio sistema hegemônico produtor dos objetos”, nas palavras de Tozi (2010).
Em Por uma outra globalização (2000), Milton Santos descreve a dupla tirania do dinheiro e da informação, que juntas fornecem a base do sistema ideológico da globalização como perversidade. Desse modo, essa tirania conforma um ethos social vulnerável aos valores da psicoesfera que difunde o desejo pelo acesso às mercadorias através do consumo, seja ele formal ou informal (no caso, pela pirataria). Conforme a população de Belém incorpora esse ethos e, ao mesmo tempo, as possibilidades técnicas se ampliam e se tornam mais acessíveis (com os arquivos digitais, que podem ser baixados), surgia um novo modo de fazer música, alternativo à indústria fonográfica das gravadoras tradicionais. Este modelo reinventado, que compreende da criação à distribuição e marketing da música, deu origem ao tecnomelody.
As novas tecnologias de informação permitiram o surgimento de estúdios caseiros para a criação das músicas, que depois serão difundidas pela reprodução não autorizada. Na outra ponta do processo, as ruas da metrópole se tornam os pontos de venda dos discos piratas. No entanto, contraditoriamente, as festas de aparelhagem que consagram os sucessos de venda do tecnomelody dependem de aparatos tecnológicos de última geração, alimentando as empresas de som e luz contratadas para fornecer esses equipamentos – um choque de sofisticação e precariedade no mesmo sistema de produção.
Ao olhar a metrópole belenense é possível verificar os motivos do sucesso do tecnomelody como gênero musical e patrimônio do Pará. Ele explicita os múltiplos usos de um território submetido às desigualdades promovidas pela metropolização (entendida aqui como decorrente da globalização descrita por Milton Santos), por meio da legitimação de práticas que subvertem a hegemonia da indústria fonográfica e sua racionalidade. E, no entanto, é contraditoriamente alimentada pelo ethos social que deriva das tiranias do dinheiro e da informação, dissemina o consumo e movimenta um mercado de cifras exorbitantes.
Referências
SANTOS, M [2000]. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 20ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2011. P. 37-45.
TOZI, F. “Meio técnico, tecnologia e tecnobrega: a cidade e a pirataria como possibilidades”. Revista Tamoios, São Gonçalo, ano VI, n. 2, 2010, p. 17-28. Disponível em: <www.e-publicacoes.uerj.br/ojs/index.php/tamoios/article/view/1415>. Acesso em: 20 out. 2010. Crédito da fotografia: William Alencar, retirada de MAIA, Felipe. “Subi numa Aparelhagem Para Entender a Música Eletrônica de Belém”, Thump, 29 set. 2014. Disponível em: <https://thump.vice.com/pt_br/article/subi-numa-aparelhagem-para-entender-a-musica-eletronica-de-belem>. Acesso em: 20 out. 2016.