Breve contexto de Shanghai no fim da era Imperial
A história da China dinástica é atravessada por grandes impérios, que implantam-se tendo por base as comunidades agrárias. Apesar das mudanças das ordens dinásticas, LeFebvre, investigando a relação cidade-campo em Marx e Engels, afirma que na China:
“A história tem caráter repetitivo devido à estabilidade, ou antes, à estagnação das forças produtivas, isto é, das comunidades agrárias e de sua organização. Quanto às cidades, cujo papel é decisivo como sede da soberania despótica, [...] umas, particularmente bem situadas partilham da estabilidade do conjunto econômico-sociopolítico; outras desaparecem com um império e virão a ser reconstituídas noutro local, como centros de ação administrativa e militar” (LEFEBVRE, 1972, p.92).
Shanghai, nesse contexto, situa-se entre as cidades que historicamente perduraram e, dentre estas (como, por exemplo, Nanjin, Guangzhou e Beijing), é historicamente uma das mais importantes sedes de poder político. A estrutura da cidade, sua estabilidade e suas riquezas eram sustentadas graças a uma relação campo-cidade que caracteriza o que Marx chama de “modo de produção asiático”, onde, a manutenção da produção das comunidades agrárias eram dependentes de infraestrutura provida por obras Imperiais, como a construção de taludes e amplos sistemas de irrigação.
A última dinastia chinesa, Qing (1644-1911), pressionada internamente para promover a modernização do país, ao passo que o território estava sendo sufocado por diversas potências imperialistas, entendia que certas concessões a estrangeiros –como a missões religiosas cristãs que podiam se estabelecer e criar igrejas, hospitais e escolas- eram estratégicas para aquisições comerciais e tecnológicas, onde as principais cidades (dentre elas, Shanghai) eram centrais em tal plano. Sendo também criada nessas cidades, na década de 1860, escolas especializadas no ensino de idiomas e diplomacia.
Rafael Deminicis afirma que “o projeto de modernização, a partir de 1885, ficava mais próximo da via ocidentalizadora de absorção de novas idéias políticas e econômicas, ainda associada à introdução dos meios técnicos e ao desenvolvimento comercial” (DEMINICIS, 2005, p.36). Tais medidas mostram o processo de refuncionalização da cidade, que está ligado a reestruturação da economia chinesa, forçada pelas forças imperialistas e pelo mercado capitalista que possui na cidade sua maior força de expansão, num processo que desestrutura as forças produtivas do campo, retendo-o como fonte de farta acumulação primitiva de capital. Nas cidades era imposta a venda de mercadorias como o ópio para a população que começava a se aglomerar, um terreno fértil para a pregação da salvação cristã, que contribuía com a “via ocidentalizadora de absorção de novas ideias”.
Um movimento reformista, encabeçado por dois intelectuais (Kang Youwei e Liang Qichao) em 1898, defendia uso do conhecimento ocidental para o desenvolvimento prático, aliado ao conhecimento chinês, que deveria compor a essência dessa prática/conhecimento. Defendiam tal posição baseados em revisões de textos clássicos do Confucionismo, e em versões populares dessa corrente e do budismo, e por ter examinado as transformações do desenvolvimento urbano em Shanghai e em Hong Cong.
O imperador Guangxu, e sua tia Cixi (que estava a cargo do poder imperial) defendiam tal movimento e um dos esforços na virada para a ultima década da Dinastia, foi criar a “Sociedade para a Proteção à Pátria, estimulando o sentimento nacional e a formação de uma proposta formal e objetiva para as reformas” (DEMINICIS, 2005, p.37-38). Novamente surge Shanghai, ao lado de Beijing como polos dos órgãos centrais da Sociedade.
Primeira ferrovia da China, construída em Shanghai em 1876, comprada pelo governador da província e arrancada no ano seguinte, por forças populares. FONTE: DEMINICIS, 2010
Referências
DEMINICS, Rafael Borges. A BANDEIRA NEGRA SOBRE A CHINA: A HISTÓRIA DOS INTELECTUAIS E MOVIMENTOS ANARQUISTAS NA CHINA MODERNA. UFF – Rio de Janeiro, 2005.
LEFEBVRE, Henri. O PENSAMENTO MARXISTA E A CIDADE. Ulisseia, 1972.